A pretexto da comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães, pretendo realizar a criação de um espectáculo que reflicta o legado e as consequências desse feito na nossa História.
“Esta viagem foi o corolário da descoberta de novas passagens marítimas e de novas rotas comerciais, do reconhecimento do valor científico dos astrónomos, cartográficos e geográficos. Permitiu o contacto com novas realidades, culturas e costumes, fauna e flora, trouxe novos valores e contribuiu para o conhecimento nas mais diversas áreas do saber, cultura, história, teologia, linguística, botânica e zoologia.”*
Pode-se olhar para este acontecimento hoje de diferentes perspectivas, desde o feito extraordinário alcançado, com tudo o que isso contribuiu para a ampliação da nossa concepção do mundo, ao desenvolvimento do nosso conhecimento em vários domínios até aí desconhecidos ou escassos, podendo até ter um olhar mais distante e crítico, tendo em conta as implicações ideológicas associadas hoje a esta parte da nossa História. Há certamente bastantes reflexões e ilações a fazer no âmbito político, cultural e histórico de todo este processo, mas sem dúvida que a nível artístico pode proporcionar um território bastante fértil para questionar-nos enquanto povo, cultura e sociedade, de donde vimos, o que somos e o que nos constitui, e como projectamos o futuro.
“Em 1519, quando Fernão de Magalhães iniciou a sua epopeia de navegação em busca das Ilhas Molucas, ricas em especiarias, idealizando e protagonizando a primeira viagem de circum-navegação do mundo, nunca poderia imaginar que esta sua proeza iria alterar definitivamente o paradigma geográfico da época: confirmava-se que a terra não era plana. Com esta viagem iniciava-se uma nova era e uma nova concepção do mundo: o mundo da globalização e do conhecimento universal.”*
Magalhães tem como objectivo ampliar o seu mundo indo à procura, é certo, de especiarias, mas acabando por promover e transformar a própria configuração do mundo que até aí existia. Deste ponto de vista podemos dizer que inaugura os conceitos de “globalização” e “universalidade”, hoje tão incrementados nas nossas culturas. E descobre novos mundos, novas realidades, confronta-se com o “outro”, diferente dele, arrisca-se na procura, acabando mesmo por ser vítima da sua própria curiosidade (Magalhães morre numa emboscada antes de chegar ao seu destino final).
É este lugar do “risco” e da curiosidade aquilo que define também o fazer artístico, sendo por isso a sua génese e a sua razão vital. Podemos mesmo olhar para o seu processo como uma espécie de viagem que se percorre rumo a esse desconhecido, uma tentativa de ultrapassar os limites do nosso entendimento físico e intelectual, uma experiência de descoberta, explorando novas possibilidades, “novos mundos”. Como artista, gosto de me colocar nesse lugar, percorrer esses caminhos improváveis, encontrar o outro, diferente, descobrir-me e ser descoberto, prolongar-me naquilo ou naquele que não conheço e que me surpreende. Navegar, andar, seguir, rasgar, tentar, errar, atravessar, cruzar, avançar, recuar. Assumindo que o destino final possa ser alterado e/ou desviado.
Ao longo do meu percurso artístico, fui também viajando e conhecendo novas culturas, linguagens, saberes que me fizeram confrontar com os limites do meu corpo e do meu mundo, abrindo-me novas possibilidades. A dança tem sido esse veículo, uma linguagem que permite a universalidade, uma língua que se desdobra e encontra pontes, extensões e se multiplica.
Olhando para alguns dos lugares por onde Fernão Magalhães e a sua equipa passaram, na sua tentativa de alcançar as Ilhas Molucas, apercebo-me da coincidência com alguns dos países com os quais eu próprio tive a oportunidade também de conhecer, descobrir e partilhar experiências, seja através dos meus próprios trabalhos seja na colaboração ou formação que fiz em diversas ocasiões (Brasil, Uruguai, Chile, por exemplo). Encontrei nessas viagens artistas que me estimularam e com os quais criei laços de interesse e empatia. Esta é, talvez, a oportunidade certa, para desenvolver um trabalho que, dentro deste contexto, permita o encontro e a cooperação entre criadores e intérpretes portugueses e sul americanos, assim como com entidades culturais de alguns destes países..
Miguel Pereira
*Citações do Testemunho de Alberto Laplaine Guimarães, Secretário-Geral da Câmara Municipal de Lisboa, sobre o VI Encontro da Rede Mundial de Cidades Magalhânicas em Lisboa, Janeiro de 2017.
Ficha Artística


2019
Nova criação de Miguel Pereira no âmbito da comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães
Residência Artística - Campo, Teresina, Brasil
co-produção Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal
2019
Peça Feliz entrevista performativa entre Marcelo Evelin e Miguel Pereira sobre a criação Let's get global!
Campo, Teresina, Brasil
no âmbito do Festival Laís
2019
Era um peito só cheio de promessas nova criação de Miguel Pereira no âmbito da comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães
Residência Artística - NAVE, Santiago, Chile
co-produção Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal
mostra informal: 10 Outubro às 20h
2019
Era um peito só cheio de promessas nova criação de Miguel Pereira no âmbito da comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães
Residência Artística - INAE, Montevideu, Uruguai
co-produção Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal
2019
Era um peito só cheio de promessas nova criação de Miguel Pereira no âmbito da comemoração dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães
Estreia - Sala Hugo Balzo, Auditorio Nacional del Sodre Dra. Adela Reta, Montevideu, Uruguai
co-produção Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal
no âmbito do programa O Rumo do Fumo - 20 anos
20h30