Um Estar Aqui Cheio é uma peça de 2001 que foi apresentada apenas em três salas. Vinte e cinco anos após a estreia, é apresentada pela primeira vez em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, com o elenco original.
Um Estar Aqui Cheio inscreve-se na continuidade de um percurso artístico singular, onde a dança se cruza com a filosofia, a poesia, a música e a performance. Vera Mantero propõe uma experiência sensorial e reflexiva que desafia categorias: é dança, é instalação, é spoken word, é delírio lúcido. A peça constrói-se a partir de uma presença crua, instintiva, onde corpo e palavra se tornam matéria de pensamento e emoção. Entre o gesto repetitivo e o impulso descontrolado, emergem figuras humanas que se revelam na sua fragilidade e intensidade. A peça cita Herberto Helder, recorre à voz, ao canto, ao texto improvisado e lido, habitando uma atmosfera sonora inquietante, criada por Boris Hauf. Um exercício de esvaziamento e reencontro com o íntimo. Uma peça que convoca o espectador a abandonar o olhar distanciado e a entrar num espaço onde o absurdo e o poético se entrelaçam.
Se perguntarem: das artes do mundo ?
Das artes do mundo escolho a de ver cometas
despenharem-se
nas grandes massas de água: depois, as brasas pelos recantos,
charcos entre elas.
Quero na escuridão revolvida pelas luzes
ganhar baptismo, ofício.
Queimado nas orlas de fogo das poças.
O meu nome é esse.
E os dias atravessam as noites até aos outros dias, as noites
caem dentro dos dias – e eu estudo
astros desmoronados, mananciais, o segredo.
Herberto Helder, in “Do Mundo”